Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/484

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Perdigão perdeo a penna,
Não ha mal, que lhe não venha.

Em hum mal outro começa,
Que nunca vem só nenhum;
E o triste que tẽe hum,
A soffrer outro se offreça;
E só pelo ter conheça,
Que basta hum só que tenha,
Para que outro lhe venha.

Que graça será esperardes de mim propositos em cousa que os não tẽe para comigo? Pois ainda que queira, não posso o que quero; que hum sentido remontado, de não pôr pé em ramo verde, tudo lhe succede assi; e cada hum acode ao que lhe mais doe; e mais eu, que o que mais me entristece he ter contentamento, pois fujo delle, que minha alma o aborrece, porque lhe lembra que he virtude viver sem elle. Que ja sabeis que mágoa he, vê-lo-has e não o paparás. Por fugir destes inconvenientes,

Toda a cousa descontente
Contentar-me só convinha
De meu gôsto:
Que o mal, de que sou doente,
Sua mais certa mézinha
He desgôsto.

Ja ouvirieis dizer: Mouro, o que não podes haver, dá-o pola tua alma. O mal sem remedio, o mais certo que tẽe, he fazer da necessidade virtude: quanto mais, se tudo tão pouco dura, como o passado prazer. Porque, emfim, allegados son iguales los que viven por sus manos etc. A este proposito, pouco mais ou