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SONETOS.
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CXCII.

Agora toma a espada, agora a pena,
Estacio nosso, em ambas celebrado,
Sendo, ou no salso mar de Marte amado,
Ou n'água doce amante da Camena.

Cysne sonoro por ribeira amena
De mi para cantar-te he cobiçado;
Porque não podes tu ser bem cantado
De ruda frauta, nem de agreste avena.

Se eu, que a penna tomei, tomei a espada,
Para poder jogar licença tenho
Desta alta influïção de dous Planetas;

Com huma e outra luz delles lograda,
Tu com pujante braço, ardente engenho,
Serás pharo a Soldados e a Poetas.



CXCIII.

Erros meus, ma Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjurárão:
Os erros e a Fortuna sobejárão;
Que para mi bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passárão,
Que ja as frequencias suas me ensinárão
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.
Oh quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Genio de vinganças!