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SONETOS.
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CCXXXII.

Quanta incerta esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos!
Pois todos vão fazer seus fundamentos
Só no mesmo em qu'está seu proprio dano.

Na incerta vida estribão de hum humano;
Dão credito a palavras que são ventos;
Chórão despois as horas e os momentos,
Que rírão com mais gôsto em todo o ano.

Não haja em apparencias confianças;
Entendei que o viver he de emprestado;
Que o de que vive o mundo são mudanças.

Mudai, pois, o sentido e o cuidado,
Somente amando aquellas esperanças
Que durão para sempre com o amado.



CCXXXIII.

Mal, que de tempo em tempo vás crescendo,
Quem te visse de hum bem acompanhado!
A vida passaria descansado,
Da morte não temêra o rosto horrendo.

Se os vãos cuidados fôra convertendo
Em suspiros que dão outro cuidado,
Oh quão prudente, oh quão affortunado
A capella do louro irá tecendo!

Tempo he ja de esquecer contentamentos
Passados, co'a esperança que passou,
E de que triumphem novos pensamentos.

A fé, que viva n'alma me ficou,
Dê ja fim aos caducos ardimentos
A que o passado bem se condemnou.