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SONETOS.
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CCXXXVI.

Verdade, Amor, Razão, Merecimento,
Qualquer alma farão segura e forte;
Porém Fortuna, Caso, Tempo, e Sorte,
Tẽe do confuso mundo o regimento.

Effeitos mil revolve o pensamento,
E não sabe a que causa se reporte:
Mas sabe que o que he mais que vida e morte
Não se alcança de humano entendimento.

Doctos varões darão razões subidas;
Mas são as exp'riencias mais provadas:
E por tanto he melhor ter muito visto.

Cousas ha hi que passão sem ser cridas:
E cousas cridas ha sem ser passadas.
Mas o melhor de tudo he crer em Christo.



CCXXXVII.

De Babel sôbre os rios nos sentámos,
De nossa doce patria desterrados,
As mãos na face, os olhos derribados,
Com saudades de ti, Sião, chorámos.

Os orgãos nos salgueiros pendurámos,
Em outro tempo bem de nós tocados;
Outro era elle, por certo, outros cuidados;
Mas por deixar saudades os deixâmos.

Aquelles que captivos nos trazião
Por cantigas alegres perguntavão:
Cantai (nos dizem) hymnos de Sião.

Sôbre tal pena, pena tal nos dão,
Pois tyranicamente pretendião
Que cantassem aquelles que choravão.