Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/268

Wikisource, a biblioteca livre


De cobrá-lo jamais a confiança:
Deixaste-me em lugar delle sómente
Huma contínua dor, hum grão tormento,
Hum mal, de que não póde haver mudança.
Tu, qu'eras a esperança
Dos males que, cruel, tu me causaste,
De todo te trocaste,
Com Amor conjurada em minha morte.
Porém se a minha sorte
Consente que por ti seja causada,
Morte não foi mais bem-aventurada.
            FRONDOSO.
  Não nasceste d'alguma pedra dura;
Não te gerou alguma Tigre Hyrcana;
Não te criaste, não, entre a rudeza,
A quem, cruel, sahiste deshumana?
No ceo formada foi tal formosura,
Onde a mesma brandura he natureza.
Pois, logo, essa dureza
Donde teve princípio, ou a tomaste?
Porque, dura, engeitaste
De hum verdadeiro amor, que tu bem vias,
A fé, que conhecias,
Por outra de ti nunca conhecida?
Perca, quem te perdeo, tambem a vida.
            DURIANO.
  Vai-se co'o seu pastor o manso gado,
Porque d'amor entende aquella parte,
Qu'a natureza irracional lh'ensina.
O rustico leão sem algum'arte,
Do natural instincto só ensinado,{