Lá vejo vir Soliso com seu gado:
Delle espero entender toda a verdade.
Mas não posso cuidar neste cuidado,
Que nos olhos não mostre onde me chega
A dor de o ver de dores traspassado.
Mas aquelle, que a Amor cruel s'entrega,
Não he muito que passe hum tal tormento;
Porque todo mal dá, todo bem nega.
Em quanto este pastor o pensamento
Logrou, sem qu'em amores o empregasse,
Senão só em buscar contentamento;
Festa não se fazia em que faltasse
A sua frauta, qu'elle assi tangia,
Que outra nunca se ouvio que lhe igualasse.
Ja agora não he aquelle que sohia;
Vejo-o na condição todo mudado;
Mudada tambem delle está a alegria.
Não cura ja do seu querido gado;
Aborrecem-lhe as plantas, hervas, flores;
Aborrece-lhe a gente e o povoado.
Não lhe lembrão as festas dos pastores;
Apartando se vai pola espessura,
Enlevado somente em seus amores.
Contenta-se da noite triste e escura;
Odio tẽe com o sol puro e luzente.
Quem vio nunca tamanha desventura?
Com esta vai passando tão contente,
Que diz que, quando o mal mais o atormenta,
Se gôsto sentirp óde, então o sente.
Neste bosque huma Nympha se aposenta,
Por quem elle na vida anda morrendo;{
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