N'outro tempo me fôra deleitoso
Por extremo, Sylvano, gôsto dar-te;
Mas todo gôsto agora me he nojoso.
Bem quizera poder communicar-te
A causa deste horror; mas antes quero
Anojar-me a mi proprio, que anojar-te.
Porém ja sinto o fado tão severo,
Que quanto mais me ponho a declará-lo,
Mais então d'entendê-lo desespero.
E se acaso o entender para contá-lo,
Se quero começar, quer a ventura
Á fôrça de soluços atalhá-lo.
Que despois que me falta a formosura
Daquella illustre Nympha, que contente
Pudera bem fazer a noite escura,
Foi-me faltando o esprito juntamente:
Em suspirar só gasto a noite e dia,
Sem me fartar de ver-me descontente.
SYLVANO.
Novidade maior em mi sería
O espantar-me de ver-te estar queixando,
Que o ver em ti desejos d'alegria.
Responde-me ao que t'hia perguntando
Da causa desta singular tristeza:
Não gastes todo o tempo lamentando.
SOLISO.
Sempre em ti conheci huma dureza,
E austera inclinação, que bem declara
Quão conforme he teu nome á natureza.
Porque se o meu tormento t'alcançára,{295}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/368
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