Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/423

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Da vida ja perdido
Neste tormento meu tão duro e esquivo,
A gostos morto estou, a penas vivo.
E, sendo morto ja, vive o sentido,
Porque sinta que n'alma despedida
Póde em meu mal unir-se
O ficar e o partir-se, a morte e a vida.
  Destas razões, Canção, infiro e creio,
Que ou se mudou em tudo a fórma usada
Da natural firmeza,
Ou tenho a natureza em mi mudada.
CANÇÃO XV.
Qu'he isto? Sonho? Ou vejo a Nympha pura,
Que sempre na alma vejo?
Ou me pinta o desejo
O bem qu'em vão cad'hora m'assegura?
Mal póde a noite escura,
Amando a sombra fria,
Mandar-me em sonho a luz formosa e bella,
Que se não torne em dia,
De seus luzentes raios inflammada.
Oh vista desejada
De graciosa Nympha e viva estrella!
Que ha tanto que por este mar navego
(Sem ver meu claro Polo) escuro e cego.{350}