Pois sempre o coração tenho turbado,
Sempre d'escuras nuvens rodeado.
Sempre exprimento os fios
Qu'em contino receio Amor me manda;
Sempre os dous caudaes rios,
Qu'em meus olhos abrio quem nos seus anda,
Correm, sem chegar nunca o Verão brando,
Que tamanha aspereza vá mudando.
O sol sereno e puro,
Que no formoso rosto resplandece,
Envolto em manto escuro
Do triste esquecimento, não parece;
Deixando em triste noite a triste vida
Que nunca de luz nova he soccorrida.
Porém seja o que for:
Mude-se por meu damno a natureza;
Perca a inconstancia Amor;
A Fortuna inconstante ache firmeza;
Tudo mudável seja contra mi,
Mas eu firme estarei no qu'emprendi.
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Aspeto