Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/69

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LXV} vigias de prôa. E quem assim sabia a sua lingua, queria ser maior poeta que Camões?
  Assim foi tratado em vida e depois de morto este Pregoeiro eterno da gloria nacional por aquelles que no fundo da alma se conhecião reos de lesa-nação, e por uns poucos de fanaticos e hypocritas. Mas da gente popular tão bem recebida e apreciada foi a sua obra, que no mesmo anno se fizerão duas impressões, e os soldados nas batalhas entoavão algumas Estancias della como seu canto de guerra, e elle mesmo tão admirado e respeitado, que quando apparecia em publico (o que era raro, porque nos ultimos tempos vivia em grande retiro) paravão todos, sem tirar os olhos delle, até o perderem de vista. E se morreo em tal desamparo (faça-se esta justiça aos Portuguezes, que em serem compadecidos e generosos a nenhum outro povo cedem) foi não só porque nessa desgraçada epocha se achavão todos os animos possuidos de terror com a recente catastrophe, e as calamidades publicas que se previão futuras, não davão lugar ao sentimento de males particulares, mas muito principalmente porque a sua miseria não era conhecida; pois que se mandava o seu Jao pedir esmola, era de noute, e sem dizer para quem. Este e outros casos taes, não raros n'uma tão grande e populosa cidade, derão causa á instituição de uma piedosa irmandade de homens plebeos, (em quem ordinariamente se encontrão mais virtudes que nos Grandes) a qual inda hoje existe, cujo fim he indagar pelos bairros se ha algum pobre envergonhado, e apregoar de noute pelas ruas sua morada, para que os cidadãos que puderem o{LXVI}