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SONETOS.
XXXVIII.

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Ceo certissimos signais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquelle riso com que a vida dais:
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o damno possa.

E se ver-vos nesta alma, emfim, quizerdes,
Como em hum claro espelho, alli vereis
Tambem a vossa angelica e serena.

Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gôsto levais de minha pena!



XXXIX.

O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se accendeo de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dous ardores se encendia,
Da grande impaciencia fez despejo,
E remettendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquella flamma que se atreve
A apagar seus adores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!

Namorão-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquella neve
Que queima corações e pensamentos.