Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/254

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Escuta: sabes tocar? Vai ver tua viola-e canta alguma cantiga da tua terra. Dizem que a música faz ter sonhos sossegados

Macário: Sonhos! que sonhos soerguem teu lençol, ó leito d.. morte? (Passa adiante). Esta mulher está doida. Este moço foi banhar-se na torrente, e afogou-se. Eu vi carregarem seu cadáver úmido e gelado. Pobre Mãe! Embala-o nu e macilento no seu peito, crendo embalar a vida. Lonca! Feliz talvez! Quem sabe se a ventura não é a insânia?

(Mais longe, sentado num rochedo à beira do rio, está Penseroso cismando).

Penseroso: É alta noite. Disseram-me ainda agora que eram duas horas. É doce pensar ao clarão da lua quando todos dormem. A solidão tem segredos amenos para quem sente. O coração do mancebo é como essas flores pálidas que só abrem de noite, e que o sol murcha e fecha. Tudo dorme. A aldeia repousa. Só além, junto das fogueiras os homens da montanha e do vale conversam suas saudades. Mais longe a toada monótona da viola se mistura à cantilena do sertanejo, ou aos improvisos do poeta singelo da floresta, alma ignorante e pura que só sabe das emoções do sentimento, e dos cantos que lhe inspira a natureza virgem de sua terra. O rio corre negro a meus pés, quebrando nas pedras sua escuma prateada pelos raios da lua que parecem gotejar dentre os arvoredos