Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/354

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mocidade prostituíra-a — como a borboleta de oiro a sua geração, lançando-a no lodo: frio, sem crenças, sem esperanças, abafara uma por uma sues ilusões, como a infanticida seus filhos. Deus o tinha amaldiçoado talvez! ou ele mesmo se amaldiçoara... Esquecera que era homem, e tinha no seu peito harmonias santas como as do poeta... Ele as esquecera, e elas dormiam-lhe no mistério como os suspiros nas cordas de uma guitarra abandonada. Esquecera que a natureza era bela e muito bela, que o leito das flores da noite era recendente, que a lua era a lâmpada dos amores, as aragens do vale, os perfumes do poeta no seu noivado com os anjos, e que a aurora tinha eflúvios frescos... e com sues nuvens virginais, sues folhas molhadas de orvalho, sues águas nevoentas tinha encantos que só as almas puras entendem! Tudo isso enjeitou, esqueceu... para só lembrar a furto e com escárnio nas horas suarentas da devassidão... Ele era muito infame!

— Mas tudo isso não me diz quem sois vos... nem porque estou aqui...

— Escutai. — O libertino amou pois o anjo, voltou o rosto ao passado, despiu-se dele como de um manto impuro. Retemperou-se no fogo do sentimento, apurou-se na virgindade daquela visão — porque ela era bela como uma virgem, e refletia essa luz virgem do espírito, nesse brilho d'alma divina que alumia as formas — que não são da terra, mas do céu. Ainda o tempo não eivara o coração do insano de uma lepra sem cura: nem selo inextinguível