Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/356

Wikisource, a biblioteca livre

minha vida, por que deixastes cair na minha cabeça uma nódoa tão negra?

As lágrimas, os soluços abafam-lhe a voz.

— Perdoai-me, senhora, aqui me tendes a vossos pés! tende pena de mim, que eu sofri muito, que amei-vos, que vos amo muito! compaixão! que serei vosso escravo, beijarei vossas plantas — ajoelhar-me-ei a noite a vossa porta, ouvirei vosso ressonar, vossas orações, vossos sonhos — e isso me bastará — Serei vosso escravo e vosso cão, deitar-me-ei a vossos pés quando estiverdes acordada, velarei com meu punhal quando a noite cair: e se algum dia. se algum dia vós me puderdes amar — então! então!...

— Oh! deixai-me! deixai-me!...

— Eleonora! Eleonora! Perder noites e noites numa esperança Alentá-la no peito como uma flor que murcha de frio — alentá-la, revivê-la cada dia — para vela desfolhada sobre meu rosto! Absorver-me em amor e só ter irrisão e escárnio! Dizei antes ao pintor que rasgue sua Madona, ao escultor que despedace a sua estátua de mulher.

Louca, pobre louca que sois! credes que um homem havia de encarnar um pensamento em sua alma, viver desse cancro, embeber-se da vitalidade da dor, para depois rasgá-lo do seio? Credes que ele consentiria que se lhe pisasse no coração, que lhe arrancassem — a ele, poeta e amante, a coroa de ilusões — as flores uma por uma? que pela noite da desgraça, ao amor insano de uma mãe lhe sufocassem sobre o seio a criatura de seu sangue,