Página:Obras poeticas de Claudio Manoel da Costa (Glauceste Saturnio) - Tomo II.djvu/219

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Qual o País permite), o desempenho
Se propõem da vitória nos tostados
Paus, de que os duros cafres vêm armados:
Emboscadas ao longe se preparam;
Tomam-se os sítios, fortes se declaram
Contra Albuquerque os insolentes peitos.

Já de Marte ao furor, campos estreitos,
Eu ouço em vós soar da guerra o brado,
A arcada trompa do Indiano ousado
Enche a terra de horror, de assombro os ares.
Conta-me, ó Fama, de que estranhos lares,
De que montes, florestas, vales, rios
Vistes correr os bárbaros Gentios,
Que o bravo Tutonaque armou de lanças?
Que socorros são estes, que alianças,
Que aos Chefes dos rebeldes votos rendem?
Desde o Sabrabuçu matos se estendem
Que habita o Pataxós, nação que um dia
Um Reino, um vasto Reino parecia.
Tutonaque é quem manda a turba imensa;
Ele os nutriu no crime e na licença,
Cheios de raiva e de furor salvagem;
A seu arco é quem só dão vasselagem;
De verdes anos a domar valentes
Da onça as garras, e do tigre os dentes
Aprenderam talvez; o óleo os tinge
Do pau silvestre, que inda mais os finge
À vista horrendos; são caciques deles
Olinté, Mamigé, Teuco, Tameles,
Marminton, Quezincoal, Remlo, Kalupa.
Bárbara esquadra desta gente ocupa
Toda a falda de um monte; em roda os matos
Dão abrigo aos rebeldes, que insensatos
Não pensam mais que em fazer crer a todos
Que a antiga liberdade por mil modos
Será turbada, se o bom Chefe os rege.
Entre nós, diz Francisco, se protege
A maldade; debaixo deste indulto
A traição, a vingança, o roubo, o insulto,
Tudo concorre a nos fazer ditosos.
Em paz tranqüila a desfrutar gostosos
Vivemos no País que outro não manda;
Sem susto o delinqüente entre nós anda;
Que será quando um braço mais potente
Arroje do castigo o raio ardente?
Quando as nossas paixões intime o freio?
De qualquer desafogo no receio
Cheios de medo sempre, e sempre indignos,
Não saberemos contestar malignos
A oposição dos Montanheses feros.
Quanto conosco hão deportar-se austeros
Os Chefes recebidos! Não é novo
Viver sem leis, e sem domínio um povo;
Nações inteiras têm calcado a terra
Sem adorar a mão que o Cetro aferra;
E tal houve que creu felicidade
Desconhecer inda a justiça: a idade
Tem [ ] a humana inteligência
Para abraçar sem susto o que é violência:
Que tormento maior a um livre peito
Que a um homem, a um igual viver sujeito?
A liberdade a todos é comua;
Ninguém tão louco renuncia à sua.
As leis, que um ente humano lhe prescreve,
Cego capricho sustentar-nos deve
Neste, diga-se embora fanatismo,
Embora seja abismo de outro abismo.
Talvez justa noção, princípio, ou dogma
O comum bem noutros projetos soma;
Mas dou que haja razão que assim o dite,
Que um saudável concelho facilite
O bem e a paz na obediência; eu vejo
Que não podemos já viver sem pejo.
Ao ludíbrio dos mais sacrificados
Nos tratarão de membros empestados;
Sobre nós cairá todo o castigo,
Que nos encobre agora um rosto amigo.
Longe, longe, tão baixos pensamentos;
Este é o fim, que segue a passos lentos
O novo Chefe; eu o provejo: posso
Contestar-lhe o poder; o resto é vosso.

Calou o Infame; em um tremendo grito
Soa aplaudida a idéia do delito;
É geralmente a rebeldia aceita.
Do descuido do grande se aproveita
Entretanto o Traidor; expede aviso
A um corpo de Europeus, que vê preciso
Para auxiliar seu braço: o Itatiaia
Os recolhe em seu seio; ali se ensaia
A sedição em poucos mais de um cento.

Houvera de lograr-se o ousado intento,
Mas o Gênio, que guarda as Pátrias Minas,
E a seus descobridores de benignas
Influências enchera, percebendo
A crua idéia do atentado horrendo,
Do mais fundo de um monte a estância bruta
Buscara; ali se acolhe; e em uma gruta
Da cavernosa lapa anima o gesto
De um índio já cansado, inútil resto
Dos anos que contara a mocidade.
Barba e cabeça lhe branqueja a idade;