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A SELECÇÃO NATURAL
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mesma natureza se reproduzem constantemente; é então quase certo que as coisas se passam deste modo. Mas, em suma, só podemos afirmar este facto assegurando-nos se esta hipótese concorda com os fenómenos gerais da natureza e os explica. Por outro lado, a crença geral de que a soma de variações possíveis é uma quantidade estritamente limitada, é também uma simples asserção hipotética.

Posto que a selecção natural só possa actuar com vantagem para cada ser vivo, não é menos verdade que caracteres e conformações, que estamos dispostos a considerar como tendo uma importância muito secundária, podem ser o objecto da sua acção. Quando vemos os insectos que se nutrem de folhas revestir quase sempre uma cor verde, os que se nutrem da casca uma cor cinzenta, o ptarmigan dos Alpes tornar-se branco no Inverno, e o galo montês apresentar as penas cor de urze, não devemos nós acreditar que as cores que revestem certas aves e certos insectos lhes são úteis para livrá-los do perigo? O galo montês multiplicar-se-ia desmesuradamente se não fosse destruído em algumas das fases da sua existência; e sabe-se que as aves de rapina lhe fazem uma caça activa; os falcões, dotados de uma vista subtil, apercebem a sua presa de tão longe, que, em certas partes do continente, não se cultivam os pombos brancos porque estão expostos a grandes perigos. A selecção natural podia então desempenhar o seu papel dando a cada espécie de galo montês uma cor apropriada ao país que habita, conservando e perpetuando esta cor desde que é adquirida. Não seria necessário tão-pouco pensar que a destruição acidental de um animal, que tem uma cor particular, possa apenas produzir pequenos efeitos sobre uma raça. Devemos lembrar-nos, com efeito, quanto é essencial num rebanho de carneiros brancos destruir os cordeiros que tenham a mais pequena mancha preta. Já vimos que a cor dos porcos que, na Virgínia, se nutrem de certas raízes é para eles uma causa de vida ou morte. Nas plantas, consideram os botânicos a penugem do fruto e a cor do mesocarpo como caracteres muito insignificantes; contudo, um excelente horticultor, Dowing, refere-nos que nos Estados Unidos os frutos com pele lisa sofrem muito mais os ataques de um insecto, o curcúlio, do que os que são cobertos de pêlos; que as ameixas vermelhas são muito mais sujeitas a certas doenças que as ameixas amarelas; e que uma outra doença ataca mais fàcilmente os pêssegos de mesocarpo amarelo do que os pêssegos de mesocarpo de outra cor. Se estas ligeiras diferenças, apesar do auxílio da arte, decidem da sorte das variedades cultivadas, estas mesmas diferenças devem evidentemente, no estado