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ORIGEM DAS ESPÉCIES

dividida, para que a abelha pudesse sugar as flores. Pode compreender-se assim como se faz que uma flor e um insecto pos sam lentamente, quer simultâneamente, quer um após outro, modificar-se e adaptar-se mutuamente da maneira mais perfeita, pela conservação contínua de todos os indivíduos que apresentam ligeiros desvios de estrutura para um e para outro.

Sei bem que esta doutrina da selecção natural, baseada sobre exemplos análogos àqueles que acabo de citar, pode levantar as objecções que a princípio se tinham oposto às magníficas hipóteses de sir Charles Lyell, quando quis explicar as transformações geológicas pela acção das causas actuais. Contudo, hoje raramente se procura julgar insignificantes as causas que vemos ainda em acção actualmente, quando se empregam para explicar a escavação dos mais profundos vales ou a formação de longas linhas de dunas interiores. A selecção natural opera apenas pela conservação e acumulação de pequenas modificações hereditárias, de que cada uma é proveitosa ao indivíduo conservado; ora, da mesma forma que a geologia moderna, quando se trata de explicar a escavação de um profundo vale, renuncia a invocar a hipótese de uma só grande vaga diluviana, da mesma forma a selecção natural tende a fazer desaparecer a crença na criação contínua de novos seres organizados, ou nas grandes e inopinadas modificações da sua estrutura.

CRUZAMENTO DOS INDIVIDUOS

Devo permitir-me aqui uma curta digressão. Quando se trata de animais e plantas tendo os sexos separados, é evidente que a participação de dois indivíduos é sempre necessária para cada fecundação (à excepção, contudo, dos casos tão curiosos e tão pouco conhecidos de partenogénese); mas a existência desta lei está longe de ser igualmente evidente nos hermafroditas. Há, entretanto, alguma razão para acreditar que, entre todos os hermafroditas, dois indivíduos cooperam, já acidentalmente, já habitualmente, para a reprodução da espécie. Esta ideia foi sugerida, há já muito tempo, mas de uma forma bastante duvidosa, por Sprengel, por Knight e por Kölreuter. Veremos, em breve, a importância desta sugestão; mas serei obrigado a tratar aqui este assunto em muito poucas palavras, se bem que tenho à minha disposição os materiais necessários para uma profunda discussão. Todos os vertebrados, todos os insectos e alguns outros grupos consideráveis de animais copulam-se para cada fecundação. As investigações modernas têm diminuído muito