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DIFICULDADES DA TEORIA
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  1. selecção natural consiga produzir, de uma parte, órgãos insignificantes tais como a cauda da girafa, que serve de apanha-moscas e, por outra parte, um órgão tão importante como o olho?
  2. Os instintos podem adquirir-se e modificar-se pela acção da selecção natural? Como explicar o instinto que possui a abelha para construir as células e que lhe faz exceder assim as descobertas dos maiores matemáticos?
  3. Como explicar que as espécies cruzadas umas com outras ficam estéreis ou produzem descendentes estéreis, enquanto que as variedades cruzadas umas com outras ficam fecundas?

Discutiremos aqui os dois primeiros pontos; consagraremos o capítulo seguinte a algumas objecções diversas; o instinto e a hibridez farão o objecto de capítulos especiais.

DA FALTA OU DA RARIDADE DAS VARIEDADES DA TRANSIÇÃO

A selecção natural actua apenas pela conservação das modificações vantajosas; cada nova forma, sobrevindo numa localidade suficientemente povoada, tende, por consequência, a tomar o lugar da forma primitiva menos aperfeiçoada, ou outras formas menos favorecidas com as quais entra em concorrência, e termina por exterminá-las. Assim, a extinção e a selecção natural vão constantemente de acordo. Por conseguinte, se admitimos que cada espécie descende de alguma força desconhecida, esta, assim como todas as variedades de transição, foram exterminadas pelo facto único da formação e do aperfeiçoamento de uma nova forma.

Mas porque não encontramos nós frequentemente na crusta terrestre os restos destas inumeráveis formas de transição que, segundo esta hipótese, devem ter existido? A discussão desta questão encontrará melhor lugar no capítulo relativo à imperfeição dos documentos geológicos; limitar-me-ei a dizer aqui que os documentos fornecidos pela geologia são infinitamente menos completos do que se crê ordinàriamente. A crusta terrestre constitui, sem dúvida, um vasto museu; mas as colecções naturais provindo deste museu são muito imperfeitas e têm sido reunidas além disso com longos intervalos.

Como quer que seja, objectar-se-á sem dúvida que devemos encontrar certamente hoje muitas formas de transição quando muitas espécies próximas habitam uma mesma região.

Tomemos um exemplo muito simples: atravessando um continente de norte a sul, encontra-se ordinàriamente, com interva-