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DIFICULDADES DA TEORIA
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tentar; mas, durante o longo Inverno das regiões setentrionais, abandona as águas congeladas e, como as outras doninhas, nutre-se de ratos e animais terrestres. Seria muito mais difícil de responder se houvesse escolhido um outro caso e se tivessem perguntado, por exemplo, como explicar que um quadrúpede insectívoro se possa transformar num morcego voante. Creio, contudo, que semelhantes objecções não têm grande valor.

Nesta ocasião, como em muitas outras, conheço toda a importância que haveria em expor todos os exemplos admiráveis que colhi sobre os hábitos e conformações de transição entre estas espécies vizinhas, assim como sobre a diversificação de hábitos, constantes ou acidentais, que se observam numa mesma espécie. Não precisaria de nada menos que de uma longa lista de factos semelhantes para minorar a dificuldade que apresenta a solução de casos análogos aos do morcego.

Tomemos a família dos esquilos; observamos nela uma gradação insensível, desde os animais cuja cauda é apenas ligeiramente achatada, e outros, assim como o faz observar sir J. Richardson, cuja parte posterior do corpo é apenas ligeiramente dilatada, com a pele dos flancos um pouco desenvolvida, até aos que se chamam os Esquilos volantes. Estes últimos têm os membros e mesmo a raiz da cauda unidos por uma larga membrana que lhes serve de pára-quedas e lhes permite transpor, cortando o ar, grandes distâncias de uma árvore a outra. Não podemos duvidar que cada uma destas conformações não seja útil a cada espécie de esquilo no seu habitat, ora permitindo-lhe escapar às aves ou aos animais carniceiros e procurar mais ràpidamente a nutrição, ora sobretudo diminuindo o perigo das quedas. Mas não resulta daqui que a conformação de cada esquilo seja absolutamente a melhor que se pode conceber em todas as condições naturais. Suponhamos, por exemplo, que o clima e a vegetação vêm a mudar, que tenha havido emigração de outros roedores ou de outros animais ferozes, ou que antigas espécies destas últimas se modificaram, a analogia conduz-nos a crer que os esquilos, ou alguns pelo menos, diminuiriam em número ou desapareceriam, a não ser que se não modificassem e se não aperfeiçoassem para evitar esta nova dificuldade da sua existência.

Não vejo pois dificuldade alguma, sobretudo nas condições de existência em via de alteração, à conservação contínua de indivíduos tendo a membrana dos flancos sempre mais desenvolvida, sendo útil toda a modificação, multiplicando-se cada uma até que, graças à acção acumuladora da selecção natural, um perfeito esquilo volante seja produzido.