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DIFICULDADES DA TEORIA
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aparelho». Na mais alta divisão do reino animal, a dos vertebrados, podemos partir de um olho muito simples, que consiste, no branquióstomo, apenas num pequeno saco transparente provido de um nervo e cheio de pigmento, mas desprovido de qualquer outro aparelho. Nos peixes e nos répteis, como o faz notar Owen, «a série das gradações das estruturas dióptricas é considerável». Um facto significativo, é que mesmo no homem, segundo Virchow, que tem uma tão grande autoridade, a magnífica lente cristalina se forma no embrião por uma acumulação de células epiteliais alojadas numa ruga da pele que afecta a forma de um saco; o corpo vítreo é formado por um tecido embrionário subcutâneo. Contudo, para se chegar a uma justa concepção relativamente à formação do olho com todos os seus maravilhosos caracteres, que não são todavia ainda absolutamente perfeitos, é preciso que a razão vença a imaginação; ora, eu próprio muito tenho sentido quanto isto é difícil, para ficar admirado de outros que hesitam em levar tão longe o princípio da selecção natural.

A comparação entre o olho e o telescópio apresenta-se naturalmente ao espírito. Sabemos que este último instrumento foi aperfeiçoado pelos esforços contínuos e prolongados das mais altas inteligências humanas, e concluímos daí naturalmente que o olho se formou por um processo análogo. Será esta conclusão presunçosa? Temos o direito de supor que o Criador põe em jogo forças inteligentes análogas às do homem? Se quisermos comparar o olho a um instrumento óptico, devemos imaginar uma camada espessa de um tecido transparente, embebido de líquido, em contacto com um nervo sensível à luz; devemos supor também que as diferentes partes desta camada mudam constantemente e lentamente de densidade, de forma a separar-se em zonas, tendo uma espessura e uma densidade diferentes, desigualmente distantes entre si e mudando gradualmente de forma à superfície. Devemos supor, além disso, que uma força representada pela selecção natural, ou a persistência do mais apto, está constantemente espiando todas as ligeiras modificações que afectem camadas transparentes, para conservar todas as que, em diversas circunstâncias, em todos os sentidos e em todos os graus, tendem a permitir a perfeição de uma imagem mais distinta. Devemos supor que cada novo estado do instrumento se multiplica por milhões, para se conservar até que se produza um melhor que substitua e anule os precedentes. Nos corpos vivos, a variação causa as ligeiras modificações, a reprodução multiplica-as quase ao infinito, e a selecção natural apodera-se de cada melhoramento com uma segurança infalível.