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ORIGEM DAS ESPÉCIES

memória de Hensen a respeito dos olhos dos cefalópodes. E-me impossível entrar aqui em particularidades; posso, contudo, indicar alguns pontos de diferença. O cristalino, nas sibas melhor organizadas, compõe-se de duas partes colocadas uma atrás da outra e forma como que duas lentes que, juntamente, têm uma conformação e uma disposição muito diversas das dos vertebrados. A retina é completamente dessemelhante; apresenta, com efeito, uma inversão real dos clementos constitutivos e as membranas formando os invólucros do olho contêm um grande gânglio nervoso. As relações dos músculos são tão diferentes quanto é possível e é o mesmo para outros pontos. Daqui resulta uma grande dificuldade em apreciar até que ponto convém empregar os mesmos termos na descrição dos olhos dos cefalópodes e dos vertebrados. Pode, diga-se de passagem, negar-se que, em cada um destes casos, o olho pudesse desenvolver-se pela selecção natural com ligeiras variações sucessivas; mas, se se admite para um, este sistema é evidentemente possível para outro, e pode-se, aceite este modo de formação, deduzir por antecipação as diferenças fundamentais existindo na estrutura dos órgãos visuais dos dois grupos. Da mesma forma que dois homens fazem algumas vezes a mesma invenção, independentemente um do outro, da mesma forma também parece que nos casos pré-citados, a selecção natural, actuando pelo bem de cada ser e aproveitando todas as variações favoráveis, produz órgãos análogos, pelo menos no que diz respeito à função, em seres organizados distintos que nada devem de analogia de conformação que neles se nota à herança de um antepassado comum.

Fritz Müller seguiu com muito cuidado uma argumentação quase análoga para tirar as conclusões indicadas neste volume. Várias famílias de crustáceos compreendem algumas espécies providas de um aparelho respiratório que lhes permite viver fora da água. Em duas destas famílias muito próximas, que foram mais particularmente estudadas por Müller, as espécies parecem-se, por todos os caracteres importantes, a saber: os órgãos dos sentidos, o sistema circulatório, a posição dos tufos do pêlo que forram os seus estômagos complexos, enfim, toda a estrutura das guelras que lhes permite respirar na água, até aos ganchos microscópicos que servem para as limpar. Poder-se-ia pois esperar que, em algumas espécies das duas famílias que vivem em terra, os aparelhos igualmente importantes da respiração aérea fossem semelhantes; mas porque motivo se encontra diferente este aparelho, destinado nestas espécies a um mesmo fim especial, enquanto os outros órgãos importantes são muito semelhantes ou mesmo idênticos?