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ORIGEM DAS ESPÉCIES

órgãos assaz semelhantes em aparência, mas que o não são na realidade. Demais, é regra geral na natureza, que o mesmo fim seja atingido pelos meios mais diversos, mesmo nos seres que têm entre si estreitas afinidades. Que diferença de construção não há, com efeito, entre a asa emplumada de uma ave e a asa membranosa do morcego; e, mais ainda, entre as quatro asas da borboleta, as duas asas da mosca, as duas asas e os dois élitros de um coleóptero? As conchas bivalves são construídas para abrir e fechar; mas que variedade de modelos se notam na conformação da charneira, desde a longa série de dentes que se encaixam regularmente uns nos outros na núcula, até ao simples ligamento da amêijoa? A disseminação das sementes dos vegetais é favorecida pela pequenez, pela conversão das cápsulas num ligeiro invólucro em forma de balão, pela situação ao centro de uma polpa carnuda composta das mais diversas partes, tornada nutritiva, revestida de vistosas cores de maneira a chamar a atenção das aves que as devoram, pela presença de ganchos, de arpéus de várias formas, de barbas denteladas, por meio dos quais aderem aos pêlos dos animais; pela existência de asas e de tufos tão variados pela forma como elegantes pela estrutura, que fazem o brinquedo da menor corrente de ar. A realização do mesmo fim pelos meios mais diversos é tão importante, que citarei ainda um exemplo. Alguns autores sustentam que, se os seres organizados foram talhados de tantas maneiras diferentes, é por simples amor da variedade, como os brinquedos num bazar; mas uma tal ideia da natureza é inadmissível. Nas plantas que têm os sexos separados assim como naquelas que, se bem que hermafroditas, não podem fazer cair espontâneamente o pólen sobre os estigmas, é necessário um concurso acessório para que a fecundação seja possível. Numas, o pólen em grânulos muito leves e não aderentes é levado pelo vento, e lançado assim sobre o estigma por mero acaso; é o modo mais simples que se pode conceber. Há um outro bem diferente, ainda que seja igualmente simples: consiste em que uma flor simétrica segrega algumas gotas de néctar procurado pelos insectos, que, introduzindo-se na corola para o recolher, transportam o pólen das anteras aos estigmas.

Partindo deste estado tão simples, encontramos um número infinito de combinações tendo todas um mesmo fim, realizado de uma maneira análoga, mas arrastando modificações em todas as partes da flor. Logo que o néctar está armazenado em receptáculos afectando as formas mais diversas, os estames e os pistilos são também modificados de diferentes maneiras, algumas vezes são dispostos em laços, outras vezes também são