Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/220

Wikisource, a biblioteca livre
194
ORIGEM DAS ESPÉCIES

que, no seu estado actual, não poderia ser produzida pela selecção natural.

A selecção natural nada pode produzir numa espécie, com um fim exclusivamente vantajoso ou nocivo a uma outra espécie, se bem que possa trazer a produção de partes, de órgãos ou excreções muito úteis e mesmo indispensáveis, ou muito nocivas a outras espécies; mas, em todos os casos, estas produções são ao mesmo tempo vantajosas para o indivíduo que as possui.

Num pais bem povoado, a selecção natural actuando principalmente pela concorrência dos habitantes, só pode determinar o grau de perfeição relativamente aos tipos do país. Também, os habitantes de uma região mais pequena desaparecem geralmente diante dos de uma região maior. Nesta última, com efeito, há mais indivíduos tendo formas diversas, a concorrência é mais activa e, por conseguinte, o tipo de perfeição é mais elevado. A selecção natural não produz necessàriamente a perfeição absoluta, estado que, tanto quanto o podemos julgar, não podemos conseguir encontrar em parte alguma.

A teoria da selecção natural permite-nos compreender claramente o valor completo do antigo axioma: Natura non facit saltum. Este axioma, se for aplicado somente aos habitantes actuais do globo, não é rigorosamente exacto, mas torna-se estritamente verdadeiro quando se considera o conjunto de todos os seres organizados conhecidos ou desconhecidos de todos os tempos.

Admite-se geralmente que a formação de todos os seres organizados repousa sobre duas grandes leis; a unidade de tipo e as condições de existência. Entende-se por unidade de tipo esta concordância fundamental que caracteriza a conformação de todos os seres organizados de uma mesma classe e que é por completo independente dos seus hábitos e do modo de viver. Na minha teoria, a unidade de tipo explica-se pela unidade de descendência. As condições de existência, ponto sobre que o ilustre Cuvier tantas vezes tem insistido, fazem parte do princípio da selecção natural. Esta, com efeito, actua, seja adaptando actualmente as partes variáveis de cada ser às suas condições vitais orgânicas ou inorgânicas, seja tendo-as adaptado a estas condições durante longos períodos decorridos. Estas adaptações têm sido, em certos casos, provocadas pelo aumento do uso ou do não uso das partes, ou afectadas pela acção directa dos meios, e, sem excepções, têm sido subordinadas às diversas leis do crescimento e da variação. Por consequência, a lei das condições de existência é de facto a lei superior, pois que compreende, pela hereditariedade das variações e das adaptações anteriores, a da unidade de tipo.