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ORIGEM DAS ESPÉCIES

ção natural em pedicelos tridáctilos, do que explicar o desenvolvimento das pinças dos crustáceos por modificações úteis, ainda que ligeiras, operadas nos últimos segmentos de um membro servindo a princípio ùnicamente para a locomoção. Os aviculários e as celhas vibráteis dos polizónidas são órgãos que têm uma mesma origem, ainda que muito diferentes pelo aspecto; é fácil de compreender os serviços que prestaram as fases sucessivas que produziram as celhas vibráteis. Nos ajuntamentos polínicos das orquídeas, podem encontrar-se as fases da transformação em caudículo dos filamentos que primitivamente serviam para prender em conjunto os grãos do pólen; pode igualmente seguir-se a série de transformações pelas quais a substância viscosa parecida com a que segregam os estigmas das flores ordinárias, e servindo pouco mais ou menos, ainda que não inteiramente, ao mesmo uso, está ligada às extremidades livres dos caudículos; todas estas gradações têm sido evidentemente vantajosas às plantas em questão. Quanto às plantas trepadoras, é inútil repetir o que acabo de dizer neste instante.

Se a selecção natural dispõe de tanto poder, porque é, tem-se muitas vezes perguntado, que não deu a certas espécies tal ou tal conformação que lhes houvesse sido vantajosa? Mas seria desrazoável pedir uma resposta precisa a questões deste género, se reflectirmos na nossa ignorância sobre o passado de cada espécie e sobre as condições que, hoje, determinam a sua abundância e sua distribuição. Salvo alguns casos em que podem invocar-se estas causas especiais, somente podemos dar de ordinário razões gerais. Assim, como são necessàriamente precisas numerosas modificações coordenadas para adaptar uma espécie a novos hábitos de existência, pode ter acontecido muitas vezes que as partes necessárias não tenham variado na boa direcção ou até ao grau desejado. O aumento numérico devia, para muitas espécies, ser limitado por agentes de destruição que eram estranhos a toda a relação com certas conformações; ora, nós imaginamos que a selecção natural devia produzir estas conformações porque nos parecem vantajosas para a espécie. Mas, neste caso, a selecção natural não podia provocar as conformações de que se trata, porque não desempenham papel algum na luta pela existência. Em muitos casos, a presença simultânea de condições complexas, de longa duração, de natureza particular, actuando juntamente, é necessária ao desenvolvimento de certas conformações, e pode ser que as condições requeridas sejam poucas vezes apresentadas simultâneamente. A opinião de que uma estrutura dada, que nós julgamos, muitas vezes sem razão, ser vantajosa para uma espécie, deve ser em todas