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INSUFICIÊNCIA DOS DOCUMENTOS GEOLÓGICOS
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de depressão afectando no todo ou em parte um arquipélago, assim como a acumulação contemporânea dos sedimentos, devem exceder a duração média das mesmas formas específicas; duas condições indispensáveis para a conservação de todos os estados de transição que têm existido entre duas ou muitas espécies. Se não fossem conservados todos estes intermediários, as variedades de transição pareceriam outras tantas espécies novas ainda que muito próximas. É provável também que cada grande período de abaixamento fosse interrompido por oscilações de nível, e que ligeiras alterações de clima se produzissem durante tão longos períodos; nestes diversos casos, os habitantes do arquipélago emigrariam.

Um grande número de espécies marinhas do arquipélago estende-se actualmente a milhares de léguas de distância além dos seus limites; ora, a analogia conduz-nos certamente a pensar que são principalmente estas espécies muito espalhadas que produzem as mais das vezes variedades novas. Estas variedades são a princípio locais, ou confinadas numa só região; mas se forem dotadas de qualquer vantagem decisiva sobre outras formas, e continuarem a modificar-se e a aperfeiçoar-se, multiplicam-se pouco a pouco e acabam por suplantar a origem-mãe. Ora, quando estas variedades voltam à sua antiga pátria, como diferem de uma maneira uniforme, ainda que talvez muito ligeira, do seu estado primitivo, e como se encontram escondidas nas camadas um pouco diferentes da mesma formação, muitos paleontólogos, segundo os princípios em vigor, classificam-nas como espécies novas ou distintas.

Se as observações que acabamos de fazer têm alguma importância, não devemos esperar encontrar nas nossas formações geológicas um número infinito destas formas de transição que, pela minha teoria, têm ligado umas às outras todas as espécies passadas e presentes do mesmo grupo, para fazer uma única longa série contínua e ramificada. Não podemos esperar encontrar outra coisa mais que alguns fuzis esparsos, mais ou menos vizinhos uns dos outros; e é isto certamente o que sucede. Mas se estes fuzis, por aproximados que possam ser, provêm de andares diferentes de uma mesma formação, muitos paleontólogos consideram-nos como espécies distintas. Contudo, não teria eu jamais suposto, sem dúvida, a insuficiência e a pobreza dos ensinamentos que podem fornecer-nos as camadas geológicas melhor conservadas, sem a importância da objecção que levanta contra a minha teoria a ausência de fuzis intermediários entre as espécies que viveram no começo e no fim de cada formação.