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ORIGEM DAS ESPÉCIES

dente, algumas vezes mesmo, um pouco mais cedo. Em muitos casos, não pode ser de outra maneira; com efeito, as particularidades hereditárias que apresentam os cornos do grande touro só podem manifestar-se nos seus descendentes na idade adulta pouco mais ou menos: as particularidades que apresentam os bichos-da-seda não aparecem também a não ser na idade correspondente em que o bicho existe sob a forma de larva ou crisálida. Mas as doenças hereditárias e alguns outros factos levam-me a crer que esta regra é susceptível de maior extensão; com efeito, ainda que não haja razão aparente para que uma particularidade reapareça numa idade determinada, tende contudo a representar-se no descendente da mesma idade que o antepassado. Esta regra parece-me ter um alto valor para explicar as leis da embriologia. As presentes notas só se aplicam, naturalmente, à primeira aparição da particularidade, e não à causa primária que pode ter actuado sobre os óvulos ou sobre o elemento macho; assim, no descendente de uma vaca desarmada e de um touro de longos cornos, o desenvolvimento dos mesmos, posto que se manifeste sòmente muito tarde, é evidentemente devido à influência do elemento macho.

Visto que aludi ao regresso dos caracteres primitivos, posso agora tratar de uma observação feita muitas vezes pelos naturalistas, isto é, que as nossas variedades domésticas, voltando à vida selvagem, retomam gradualmente, mas invariàvelmente, os caracteres do tipo original. Tem-se concluído deste facto que se não pode tirar do estudo das raças domésticas qualquer dedução aplicável ao conhecimento das espécies selvagens. Em vão procuro descobrir em que factos decisivos se pode apoiar esta asserção tão frequentemente e tão ardilosamente renovada; seria muito difícil, com efeito, provar-lhe a exactidão, porque podemos afirmar, sem receio de nos enganarmos, que a maior parte das nossas variedades domésticas, as mais fortemente caracterizadas, não poderiam viver no estado selvagem. Em muitos casos, não sabemos mesmo qual é a sua origem primitiva; é-nos, pois, quase impossível dizer se o regresso a esta origem é mais ou menos perfeito. Além disso, seria indispensável, para impedir os efeitos do cruzamento, que uma única variedade fosse posta em liberdade. Contudo, como é certo que as nossas variedades podem acidentalmente regressar ao tipo ancestral por alguns dos seus caracteres, parece-me bastante provável que, se conseguíssemos chegar a aclimatar, ou mesmo a cultivar durante muitas gerações, as diferentes raças de couve, por exemplo, num solo muito pobre (neste caso, todavia, seria necessário atribuir qualquer influência à acção definida da pobreza do solo), vol-