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ORIGEM DAS ESPÉCIES

que estas tenham atingido a sua plena maturidade; assim, num pequeno tabuleiro de relva, tendo 3 pés por 7, em vinte espécies que aí rebentaram, nove morreram, porque se deixaram crescer as outras livremente.

A quantidade de nutrição determina, diga-se de passagem, o limite extremo da multiplicação de cada espécie; mas, mais ordinàriamente, o que determina o número médio dos individuos de uma espécie, não é a dificuldade de obter alimentos, mas a facilidade com que esses indivíduos se tornam presa de outros animais. Assim, parece fora de dúvida que a quantidade de perdizes, de tetras e de lebres que podem existir num grande parque, depende principalmente do cuidado com que se destroem os seus inimigos. Se se não matasse uma só cabeça em Inglaterra durante vinte anos, mas que ao mesmo tempo se não destruísse um só dos seus inimigos, haveria então provavelmente menos caça do que há hoje, posto que se matem centenas de milhar por ano. É verdade que, em muitos casos particulares, como se dá com o elefante por exemplo, as feras não atacam o animal; na Índia, o próprio tigre só raramente se aventura a atacar um elefante novo defendido pela mãe.

O clima goza de um papel importante quanto à determinação da média de uma espécie, e a volta periódica dos frios ou das secas extremas parece ser o mais eficaz de todos os obstáculos. Tenho calculado, baseando-me em alguns ninhos construídos na Primavera, que o Inverno de 1854 a 1885 destruiu os quatro quintos das aves da minha propriedade; foi uma destruição terrível, quando se compara com os 10% que para o homem constituem uma mortalidade extraordinária em caso de epidemia. A primeira vista, parece que a acção do clima é absolutamente independente da luta pela existência; mas é necessário lembrar que as variações climatéricas actuam directamente sobre a quantidade de nutrição, e produzem assim a mais viva luta entre os indivíduos, quer da mesma espécie, quer de espécies distintas, que se nutrissem do mesmo género de alimentos. Quando actua directamente, o frio extremo, por exemplo, são os indivíduos menos vigorosos, ou os que têm à sua disposição menor nutrição durante o Inverno, que sofrem mais. Quando vamos do sul para o norte, ou passamos de uma região húmida para uma região seca, notamos sempre que certas espécies se tornam cada vez mais raras, e acabam por desaparecer; a alteração de clima ferindo os nossos sentidos, dispõe-nos a atribuir esta desaparição à sua acção directa. Ora, isto não é exacto; esquecemos que cada espécie, nos mesmos pontos onde é mais abundante, sofre constantemente grandes perdas em certos