Página:Os Esquecidos no Processo de Independência.pdf/34

Wikisource, a biblioteca livre

Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

pendência naquele momento se limitava ao da política para o Brasil ou incluía a do indivíduo para o escravo?

O segundo ponto a destacar é o papel das mulheres. Tais personagens merecem ser mais esmiuçadas, pois, quando não requerem um novo olhar, como as conhecidas Soror Joana Angélica ou Maria Quitéria, permanecem no limbo do desconhecimento. Nesse sentido, o estudo de algumas redatoras de panfletos, de representações que apresentaram ou das cartas privadas que escreveram pode contribuir muito. Encontram-se nesse caso as cartas de Maria Bárbara, a grande senhora de engenho da Bahia, que demonstram a facilidade e a originalidade de expressão numa mulher que nasceu em família da aristocracia rural portuguesa. Maria Bárbara demonstrava uma forte personalidade e exerceu um papel que normalmente se vê negado às mulheres na época. Capaz de citar Camões e reproduzir máximas latinas, conhecia os novos conceitos da linguagem do constitucionalismo, como pátria, nação, independência e poder constitucional, e não hesitou em tomar decisões próprias nos momentos difíceis sem se sujeitar à orientação dos filhos. Suas cartas ainda revelam as múltiplas independências que ocorreram, colocando abaixo a ideia de um processo mais amplo e unificado do Brasil, por meio de um acordo amigável entre colônia e metrópole[1]. Verifica-se a descrição de uma realidade bastante complexa em que, se, de início, portugueses e brasileiros constitucionalistas estavam unidos, mais tarde se multiplicaram as divisões que ultrapassam a velha dicotomia entre portugueses e brasileiros. Dicotomia que justificou, por longos anos, o processo de separação e constituição do novo Império do Brasil. Além disso, as cartas ainda permitem vislumbrar que a Independência não se resume ao 7 de setembro, mas envolve um processo iniciado com o movimento constitucional de 1820, que pode ser considerado, em parte, finalizado em 1825 com o Tratado de Reconhecimento por parte de Portugal do novo Império. Trazem, portanto, à tona um processo

34

Forum

  1. Cf. CARDOSO, António Manuel Monteiro. Introdução. In: FRANÇA, António d'Oliveira Pinto da; CARDOSO, António Manuel Monteiro (org.). Cartas baianas: o liberalismo e a Independência do Brasil (1821-1823). Lisboa: Imprensa Nacional, 2008, p. 33-45.