Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/118

Wikisource, a biblioteca livre
-118-

me supponha o que eu não sou, ou então não diga o que não sente. Acredite; as minhas aspirações são tão leves, tão realisaveis! Satisfazem-se com estes cuidados caseiros; e fóra d'isto, não me sinto bem. Para fazer a vontade a meu pae, segui a educação que elle desejou que seguisse; mas nunca senti prazer n'isso; nunca morreram em mim as saudades do campo e dos trabalhos aldeãos…

—Acredito que hoje aprecie melhor a aldeia, porque tem já sentidos educados para a poesia que ella rescende.

—A poesia!—repetiu Bertha, com um forçado gesto de desdem, encolhendo os hombros.

Mauricio percebeu-o.

—Ri-se?—interrogou elle.

—É que ouço fallar ha tanto n'isso, e se quer que lhe falle a verdade, ainda não pude saber bem o que seja.

—Não sabe o que é a poesia?!

—A que se escreve nos livros sei, mas fóra d'ahi…—disse Bertha, simulando um tom de completa ingenuidade.

A chegada das crianças, pedindo á irmã que as conduzisse a casa, interrompeu n'este ponto o dialogo. Bertha despediu-se amigavelmente de Mauricio, que por muito tempo a seguiu com a vista.

—Será possivel que eu me engane?—pensava elle.—Será a final de contas uma mulher vulgar, capaz de continuar as prosaicas tradições da familia? Não creio. Antes é astuciosa e dissimulada. N'esta apparente singeleza de gostos ha muito espirito escondido. E, ou eu me engano muito, ou não é indifferença o que ella sente, quando me falla.

E sahiu d'alli, trabalhando n'estes pensamentos.

Bertha, rindo e brincando com os irmãos, pensava tambem:

—Parece-me que alguma coisa conseguiria. É preciso desvial-o d'este proposito; é preciso que elle se enfastie d'este galanteio; que me aborreça. Hei de fazer-me bem vulgar, bem ignorante, incapaz de sentir e de