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plena conferencia. Notou comtudo o lavrador aquella noite, que Jorge mostrava-se muito mais desattento do que de costume.

No meio dos seus exames, distrahiu-os uma voz melodiosa que, em outro aposento da casa, cantava em tom de acalentar crianças:

  Quando uma criança dorme,
  Veem os anjos a sorrir
  Abrir as portas do céo,
  Para Deus as vêr dormir.

—Escute—disse Thomé, apurando o ouvido—é a minha Bertha a adormecer o irmão.

E Thomé pôz-se a escutar, com fervor paternal.

Jorge, a seu pesar, experimentava um suave encanto ao ouvir aquella voz juvenil, que continuava cantando:

E um d'elles á terra desce Junto do berço a velar Para longe do menino Os sonhos maus afastar. —Então? Não tem uma linda voz a rapariga?—continuava Thomé, olhando para Jorge, que não respondeu.

A voz continuou:

  Dorme, dorme, meu menino,
  Que é alegre o somno teu.
  E emquanto na terra dormes
  Folgam os anjos do céo.

Jorge escutava com mais prazer, do que a si mesmo quereria confessar, o canto que lhe chegava aos ouvidos n'aquella monotona e melancolica melopêa de todas as musicas destinadas a acalentar o somno das crianças.

Thomé, esse estava verdadeiramente extasiado. A voz da filha parecia encontrar um caminho direito para o coração d'aquelle pae extremoso, e commovêl-o quasi a ponto de lhe ennevoar os olhos com lagrimas consoladoras.