Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/125

Wikisource, a biblioteca livre
-125-

da Povoa, procurando sondar com a vista a meia claridade do quarto.

—Psiu!—disse a filha, pondo um dedo nos labios—socegou por fim. Trouxe-o para o meu quarto, porque não deixava dormir a mãe. Boa noite, meu pae.

E tomando a mão do lavrador, beijou-a com affecto.

—Deus te faça feliz, minha filha—tornou-lhe este, exultando com aquella simples acção.

E os dois seguiram, cerrando-se logo atraz d'elles a porta dos aposentos de Bertha e ouvindo-se correr docemente a chave na fechadura.

Jorge, ao vêr-se na rua, aspirou com violencia o ar fresco da noite, como para libertar-se de uma oppressão que o angustiava. Descobriu a fronte e seguiu agitado pelos difficeis caminhos que iam d'alli até á Casa Mourisca.

—Eu estou doido!—murmurou elle—que tenho eu com esta rapariga? Era o que me faltava! que me entrasse na cabeça uma doidice d'estas! Estou vendo que não é tão facil ter juizo, como suppunha. Se isto fosse com Mauricio não admirava! E então uma criança de collegio… provavelmente estouvada… Ora adeus! Veremos se isto me passa dormindo.

Mas, era singular! aquella rapida vista, insinuada por entre a porta meia aberta do gabinete castissimo, em que dormia uma criança á meia luz da lamparina, e aquella gentil figura de mulher, collocada á entrada, com um dedo nos labios e no rosto um ar de solicitude quasi maternal, não se lhe tiravam da ideia. Era como a visão de um paraizo que sonhára.

Quando Mauricio, voltando de um baile dado por um proprietario visinho, entrou no quarto de Jorge, encontrou este, contra o seu costume, sentado proximo da janella, com a cabeça sobre o braço dobrado, que repoisava no peitoril, e tão absorto, que quasi não deu pela aproximação do irmão.

Mauricio parou diante d'elle admirado, e interpellou-o:

—Que fazes ahi?

Jorge sobresaltou-se, e respondeu sorrindo: