Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/134

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ar nuvens de densos vapores. Uma peneirava a um canto a farinha para o bolo, outra arrumava o cinzeiro do fôrno com a vara meia carbonisada; limpava esta a pá grande para a introducção das borôas e aquella empunhava a pequena pá de ferro de rapar a masseira. No meio d'esta legião feminina assim atarefada, a patrôa da casa, que, como Calypso sobre as nymphas que a serviam, ou, segundo a comparação classica, como o elegante cypreste sobre as vinhas rasteiras, olhava sobranceira para todas, superintendia no trabalho de cada uma e distribuia as tarefas com methodo e intelligencia.

Era esta a ti'Anna do Védor, em quem já ouvimos fallar, a que havia creado aos seus válidos e sadios peitos os dois meninos da Casa Mourisca. Era ella enfarinhada, arregaçada, afogueada, com os cabellos escondidos debaixo do lenço vermelho que atava sobre o occipital, com a voz potente, o olhar fino e os movimentos faceis, apesar dos cincoenta annos já contados.

Á sua vista perspicaz não escapou por muito tempo a presença de Mauricio; e logo que o viu, correu para elle com os braços abertos, exclamando:

— Ai, o meu rico filho!

— Cautela, cautela, Anna, olha que me enfarinhas! — advertiu Mauricio, tentando fugir-lhe.

— E que tem que te enfarinhe! Olh'agora? A farinha é pão, e o pão vem de Deus.

E sem precauções nem reparos apertou o corpo delgado de Mauricio nos seus robustos braços, deixando-lhe na roupa vestigios evidentes d'este cordial amplexo.

— Vês, vês? — dizia Mauricio, sacudindo-se — olha em que preparo me puzeste, ama! Estou asseiado!

— Sim? Pois melhor para ti, que já tens que fazer, e não me andas por ahi a vadiar e a fazeres-me doidas as moças cá da terra com as tuas bregeirices. Sahiste-me boa rez! não tem duvida nenhuma!

E pronunciava isto com um modo, acompanhava-o com um olhar tal, que fazia temer a imminencia de um outro beijo e de um outro abraço.