Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/177

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um sorriso não de todo despido de ironia — por quem é, prima! É a sua corda sensivel, e tem de o aturar por muitas horas!

— Ah! então existe a Julieta?

— As Julietas, as Desdemonas, as Ophelias e todos os typos imaginaveis. É um enxame que elle traz constantemente poisado no coração.

— Ah! ah! pois tu és dos que declinam o amor sempre no plural? Não sabia!

— Deixe-o fallar, prima Gabriella. O Jorge bem sabe que n'esta mesma occasião tão absorvido ando por uma só imagem, que é sem fundamento a accusação de inconstante que me dirige.

Jorge contrahiu a fronte, ao perceber a allusão, e disse sêcamente:

— Julguei que havias resolvido devéras ter juizo.

— Não é tempo agora de examinar esta questão — acudiu Gabriella — porque me parece que vem ahi o tio Luiz.

De facto o fidalgo apparecia á porta da sala e um pouco atraz d'elle o padre procurador.

O velho D. Luiz vestira-se quasi elegantemente para receber a sobrinha. Elegancia severa, accommodada á sua grave figura de ancião, mas elegancia inquestionavel. D. Luiz tinha uma presença magestosa e um todo de diplomata que impunha respeito.

O vestuario preto de que usava, sobre o qual sobresahia a gravata cuidadosamente lavada e engommada, augmentava o effeito natural dos seus dotes physicos.

O procurador formava inteiro contraste com o fidalgo. Curvado, olhando por cima dos oculos, com o lenço constantemente empunhado para acudir ás instantes reclamações de um defluxo chronico, parecia dominado por uma infantil timidez, mas não perdia um só gesto dos outros, que manhosamente observava.

A baroneza inclinou-se para beijar a mão do tio, que a acolheu nos braços.

— O tio Luiz! — dizia a gentil viuva, olhando-o — sempre o mesmo! Não o acho mudado.