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— Não?! — disse o fidalgo com leve ironia na intonação e no sorriso.

— Olhe que não. E é natural. Bem vê que se golpes dolorosos o teem feito padecer, tambem lhe servem de conforto o socego d'estes sitios, a pureza d'estes ares, a tranquillidade d'esta vida e o affecto dos filhos que ainda lhe restam.

D. Luiz abanou a cabeça, mais triste e sombrio do que antes.

— Na sua idade, Gabriella, cicatrizam depressa as feridas. Quando se chega aos meus annos, golpe que se receba, é ferida com que se morre.

— Diga o snr. D. Luiz — interveio o padre — que o que tem é muita resignação christã, que n'estes tempos que vão correndo não é coisa vulgar.

E assuou-se.

— Mas para isso vale a meu tio o seu exemplo, snr. frei Januario — acudiu Gabriella. — Resignação ahi! Eu sou testemunha da heroicidade com que arrosta as vigilias e os jejuns.

Os presentes, incluindo o proprio D. Luiz, não puderam ouvir sem um sorriso a allusão da baroneza.

O padre córou, assuou-se com mais força e resmoneou com azedume:

— Bem sei que não é quanta Deus manda, nem quanta a alma precisa... e por peccador me tenho.

— Deve vir cansada, Gabriella — lembrou D. Luiz — Eu julgo que terão tido o cuidado de...

— Tudo está prompto. Logo que a prima queira descançar... — respondeu Jorge.


— Não sinto grande necessidade de descanço. Descançarei depois do almoço, se me fizerem o favor de dar alguma bebida quente, porque tenho frio.

Em virtude d'esta reclamação, sahiram successivamente da sala Jorge, o procurador e Mauricio, ficando Gabriella só com o fidalgo.

Este parecia hesitar em alludir ao principal motivo da visita da baroneza.

Foi ella quem rompeu o gelo da entrevista.

— Recebeu a minha carta, tio?