Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/179

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— Recebi, sim, e agradeço.

— Diga que perdoa. Se quer que lhe falle a verdade, julgo que não lhe escrevi em estylo muito apropriado, mas tão desacostumada ando de escrever-lhe, e a gente com quem de costume me correspondo permitte-me tal familiaridade, que me descuidei.

— A carta nada tinha de censuravel. O que por ella vi foi que deveremos renunciar aos projectos que formei a respeito de Mauricio.

— Perdão; mas como viu por ella isso?

— Desde o principio ao fim. Não me diz que para que Mauricio abra carreira no mundo, é necessario condescender com certas coisas?...

— Ai, sim, mas quem é que não tem de condescender n'esta vida?

— Gabriella — tornou D. Luiz com certa aspereza — já ha pouco lh'o disse; as nossas idades differem. Quando se possue a sua juventude ha movimentos faceis, a que se não prestam as fibras inflexiveis dos meus sessenta annos.

— Sim, mas quando se é joven como Mauricio e se está nas circumstancias d'elle, das quaes estou informada pela sua obsequiosa confidencia, é menos prudente não ceder um pouco no tempo em que se póde ainda ceder com dignidade; porque depois... a vida para elle é longa, e quem sabe a que provações e sacrificios o sujeitará? O tio está em uma idade avançada, não espera numerosos annos de vida, não ama demasiadamente o mundo, e para a lucta conta com a inflexibilidade das suas fibras de sessenta annos. Mas elles, seus filhos, são novos, teem futuro, amor á vida e não possuem ainda a tal inflexibilidade para sustentarem o pêso de uma instituição morta sem vergar ou quebrar debaixo d'ella. Veja bem.

— De uma instituição morta! — repetiu o fidalgo, accentuando as syllabas e levantando os olhos para o tecto.

— Morta, sim, meu tio, desengane-se. Deus me livre de fallar agora em politica com o tio. Mas a verdade é que quem vive em certa sociedade, e ouve certas coisas, e estuda certos homens, acaba por convencer-se,