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mesmo sem pensar muito n'isso, de que um sonho como o de meu tio é... é... é um sonho.

— Seu pae morreu por um sonho assim, Gabriella.

— E eu venero a memoria de meu pae, não o duvide; assim como venero o caracter e as opiniões de meu tio; porque venero todas as convicções sinceras. Mas o que eu não queria é que se sacrificasse mais do que deve. A sua vida, a sua felicidade tem o direito de dar esse sacrificio. Mas a vida, o futuro, a honra e a felicidade de seus filhos, isso não.

— A honra?! A honra é que eu quero salvar-lhes.

— E quem lhe diz que elles teem as suas convicções?

Os olhos de D. Luiz fuzilaram ao ouvir esta insinuação.

— Se meus filhos...

— Sei o que vae dizer — atalhou Gabriella — mas não diga, porque contradiz os seus proprios actos. Esmerou-se em dar educação a seus filhos, em desenvolver-lhes a intelligencia, e agora quer que elles não usem d'esse instrumento que possuem, e que para pensar lhe venham pedir licença? Não valia ensinar-lhes a raciocinar n'esse caso.

— A razão deve-lhes ter mostrado a verdade.

— A verdade... a verdade... Ora valha-nos Deus, meu tio; e quem sabe onde ella está? Pois todas estas mudanças que succedem no mundo de que procedem, senão de se julgar a cada passo ter-se descoberto que a verdade não está onde se suppunha?

— Vejo que a convivencia social lhe tem dado uma boa dóse de philosophia para bem viver no mundo. Mas que quer? Eu regulo-me ainda por as cartilhas velhas.

— E o que lhe ensinam a fazer as cartilhas velhas a favor de seus filhos? O que é que, em harmonia com ellas, tem tentado e tenciona executar?

— Dar-lhes o exemplo de como se soffre a adversidade, quando se tem brios, e um nome que respeitar.

— A nobreza não está em soffrer de braços cruzados a adversidade, quando elles se podem empregar nobremente em repellil-a; Jorge bem o comprehendeu. Esse