Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/196

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homem havia ferido desde as primeiras palavras que lhe ouvira, adiantou-se para elle, e ao vêl-o desembaraçado, exclamou:

— Mas... elle é Jorge!

Os primos soltaram uma risada.

Jorge, que o leitor já tinha reconhecido, vendo emfim quem eram os seus suppostos aggressores, deixou outra vez cahir a manta sobre os hombros e perguntou em tom de leve despeito:

— Então que brincadeira é esta?

— Não é nada, primo Jorge — respondeu o doutor — quizemos apenas verificar uma suspeita.

— Uma suspeita?!

— Vamos, perdoa-nos a indiscrição, mas bem vês que ha poucos prazeres para uns peccadoraços como nós, iguaes ao que nos causa o vêr cahir um sancto nas mesmas fraquezas de que nos accusam.

Isto disse o padre, o doutor acrescentou:

— O que te pedimos de hoje em diante é menos severidade nos teus juizos e mais indulgencia para as miserias dos humanos.

Jorge principiou a irritar-se com as palavras dos primos; voltando-se para Mauricio disse-lhe com certa rispidez e quasi tremendo de indignação:

— Tu, que estás mais habituado do que eu a lidar com estes senhores, não me saberás explicar estes ditos, que não percebo, e ao mesmo tempo a significação da tua presença aqui, a tolher-me os passos, como um ladrão nocturno?

O silencio de Mauricio significava tambem muita indignação e cólera concentrada.

A presença de Jorge n'aquelle legar sómente a podia explicar aceitando a hypothese maligna dos do Cruzeiro; e na recordação da conversa que tivera com o irmão, a respeito da filha de Thomé, via agora um excesso de dissimulação e hypocrisia, que o revoltavam tanto mais vehementemente, quanto maior era o respeito que até alli lhe mereceu o caracter de Jorge.

Por isso a sevéra interpellação d'este fez rebentar em explosão aquella cólera mal reprimida.