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II

Por uma manhã de setembro, limpida e serena, como ás vezes são na nossa terra as manhãs do outomno, Jorge sahiu a pé, a passear pelos campos. Errou ao acaso por bouças e tapadas, seguiu a estreita vereda a custo cedida ao transito pela sôfrega cultura nas terras marginaes do pequeno rio da aldeia. Depois, subindo a uma eminencia, parou a contemplar do alto o aspecto do feracissimo valle, que suavemente se lhe abatia aos pés, e no fundo do qual se erguia, d'entre veigas e pomares, a Herdade, de que já fallamos.

Jorge sentou-se sobre uma d'essas enormes moles de granito, que se encontram com frequencia em certos logares da provincia, soltas pelos montes, como se fossem roladas para alli em remotas eras por mãos de fundibularios gigantes, empenhados em encarniçada lucta. Os olhos dirigiram-se-lhe instinctivamente para a Herdade, onde se fixaram, como se com força irresistivel os attrahisse o espectaculo que via.

Era a época de mais intensa vida nas granjas. Os cereaes, cobrindo as eiras, lourejavam aos raios desanuviados do sol; carros, a vergarem sob o fardo das colheitas, transpunham lentos as portas patentes do quinteiro, chiando estridorosamente; apinhavam-se além em montes as cannas e o folhelho de milho, restos de recentes descamisadas; longas series de mêdas elevavam-se mais longe, á maneira de tendas em um arraial de campanha; juntas de bois, já livres do jugo, repousavam das fadigas d'aquelles dias de azafama, ruminando em socego; os