Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/209

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— Quem é que lhes chama isso? — perguntou uma fidalga de oculos, um pouco sentimental e litterata, que estava ao pé de Gabriella.

— Foi Almeida Garrett — respondeu esta, sorrindo, como quem suspeitava que não ficaria satisfeita a curiosidade da interrogante.

Effectivamente a historia litteraria de Portugal parára para ella em José Agostinho de Macedo.


— Almeida Garrett!! — repetiu um dos mais intractaveis realistas presentes que ouvira a resposta — eu conheci um d'esse nome, que era secretario ou coisa assim do duque de Palmella n'aquelles bons governos do Porto em 1834, isso era um liberalengo dos quatro costados.

Na linguagem pittoresca d'este sujeito, a palavra liberalengo era a mais eloquente expressão com que s. exc.ª conseguia traduzir todo o desprezo que lhe mereciam as ideias e os homens de 1820 e 1832.

— E perdeu-o de vista depois? — inquiriu Gabriella com leve ironia.

— Sim, perdi. Eu conheci-o por acaso.

— Então não o conheceu orador no parlamento, ministro, poeta, prosador e chefe de uma revolução litteraria?

O fidalgo abriu os olhos, prolongou os labios e sacudiu a cabeça, dizendo:

— Olhe, prima; eu, a respeito de parlamento.... Temos conversado; não sei se me entende. De ministros tambem não quero saber, porque tenho receio de que me digam que nos governa o filho do meu sapateiro. Agora a respeito de poetas... se quer tambem que lhe diga, eu nunca tive quéda para sonetos. Lá chefe de revolução estou convencido de que elle seria, porque para guerrilheiro estava talhado.

A baroneza deu muita razão a este seu primo e foi para um grupo de raparigas, que passaram a interrogal-a sobre a ultima moda do talho dos vestidos.

Annunciou-se emfim o jantar. Houve geral reboliço na sala, e a companhia seguiu mais ou menos anarchicamente para o banquete.