Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/221

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continuava a indicar-lhe os objectos que devia arrecadar.

Gabriella dirigiu-se a elle:

— Mandou chamar-me, meu tio?

— Ah! mandei, sim, Gabriella. Desculpe importunal-a. Mas tenho que lhe pedir um favor — respondeu D. Luiz com forçada placidez.

— Mil que sejam.

— Depois do que se passou, não quero demorar-me n'esta casa uma só noite. Peco-lhe por isso hospitalidade na sua. Se me não engano, tencionava partir ámanhã para lá. Não é verdade? Pois bem, faça o sacrifício de partir hoje e permitta-me que a acompanhe. Um quarto e uma enxerga bastam-me. Preciso de me ir costumando a tudo.

A baroneza ficou por alguns momentos muda de surpreza.

— Mas... Por quem é, meu tio... Grande prazer me dará a sua visita... porém em outras circumstancias e por outros motivos. Não tome resolução alguma emquanto assim está dominado pela paixão. Veja o que vae fazer! O que se dirá? O que se fallará por toda a parte!

— Já de sobra teem em que fallar. A vergonha não é maior — tornou o velho mais agitado.

— Pois sim — acudiu o padre — mas reunir a vergonha ao incommodo... a fallar a verdade... é... é...

— A vergonha... a vergonha... Mas tem a certeza, tio, de que julga bem e despreoccupado de paixões, os actos de seu filho? Quem lhe diz que outros não chamarão virtude áquillo a que chama baixeza?

A cólera relampagueou de novo nos olhos do velho:

— Gabriella, por quem é, desista de contrariar-me. Asseguro-lhe que me não demove da resolução em que estou e que sómente me afflige. Se não quer conceder-me o abrigo dos seus tectos, irei bater a outra porta.

Gabriella não insistiu.

— A minha casa é sua sempre, meu querido tio. Vou dar as ordens para partirmos.

— Não esperem por mim — recommendou ainda o fidalgo — eu irei com frei Januario mais tarde, porque te-