peço-te que lhe transmitias o meu recado. Soube hoje que um de meus filhos havia recebido d'elle adiantamentos de dinheiro a titulo de emprestimo para melhorar a nossa propriedade, e isto sem garantia alguma. Não sei a quanto monta a somma recebida, mas em todo o caso não posso aceitar o emprestimo... ou a esmola. A divida ha de ser paga em breve tempo; mas, emquanto não o fôr, deixo em penhor de minha palavra aquella casa, que hoje mesmo abandono, e tudo que n'ella se contém. As chaves aqui ficam. Virei a seu tempo buscal-as.
E, fazendo signal ao procurador, tomou as chaves das mãos d'este, que continuava a estar abysmado, e entregou-as a Bertha.
A estupefacção da rapariga era tal, que machinalmente as recebeu, sem bem saber o que fazia.
— Parece-me que será bastante garantia — acrescentou D. Luiz. — Se eu não sou victima de uma perseguição do céo, espero resgatal-as ainda. Senão... Adeus, Bertha.
— Mas — pôde emfim dizer a filha de Thomé, sahindo da sua abstracção — isto não póde ser! Eu... nem sei o que estou fazendo. Por quem é, padrinho, meu pae não póde querer....
— Não te pertence julgar d'estes negocios, Bertha. Faze o que te digo.
— Deixar a Casa Mourisca! a casa em que tem vivido sempre, onde nasceu e morreu Beatriz! E porque?... Que somos nós para si então, padrinho?
O fidalgo tornou-se de novo sombrio ao responder:
— Bertha, quando a minha consciencia me impõe um acto na vida, é inutil tentar demover-me.
— A consciencia! — repetiu Bertha, timidamente, como exprimindo uma duvida.
— Se queres tambem chamar a isto um preconceito de classe, como já lhe chamou um de meus filhos, chama-lh'o embora. Em todo o caso obedeço-lhe e de obedecer-lhe me orgulho.
E o fidalgo ia para retirar-se, quando Bertha lhe disse, hesitando: