Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/248

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ra, snr. D. Luiz, que, por mais que me mate, não posso vêr em toda a minha vida uma só acção, uma unica, que me merecesse da parte de v. exc.ª este procedimento para commigo; não posso.

— Está sonhando, Thomé? Cuida que eu não tenho mais em que pensar do que em desfeiteal-o? Que mania se lhe metteu na cabeça!

— E que foi senão uma desfeita o que v. exc.ª me fez no outro dia, indo á porta da minha casa entregar nas mãos da minha propria filha as chaves do seu palacio, que deixou só por que eu havia adiantado ao snr. Jorge um pouco de dinheiro por um contracto honesto e leal? Que foi aquillo senão uma desfeita?

— Se não comprehende os motivos que me levaram áquelle passo, não sei que lhe faça. Nas familias, como a minha, ha certas regras tradicionaes de conducta que talvez pareçam estranhas a outras, educadas em habitos differentes, no que eu não tenho culpa....

— Entendo o que quer dizer, snr. D. Luiz. Foi acção de fidalgo a sua, e, por ser tal, eu, que nasci em palhas, não posso entendêl-a bem. Mas porque é que só commigo usa v. exc.ª das taes acções? Por acaso fui eu o primeiro que emprestei dinheiro aos senhores da Casa Mourisca? Quando o padre procurador de v. exc.ª andava por ahi batendo de porta em porta a levantar dinheiro, não para o empregar em melhoramentos que, mais anno menos anno, podéssem remir a divida, mas para o desperdiçar sem tom nem som, e obtinha esses capitaes a 10, 12 e 15 por cento; quando elle lavrava hypothecas e arrendamentos vergonhosos e a gente de má fé, que faziam d'elle o que queriam, o orgulho de v. exc.ª nunca o obrigou a sahir de sua casa, que se perdia n'esse andar, e a ir pôr as chaves d'ella nas mãos d'esses usurarios, que viviam á custa das tolices e dos desperdicios do padre; e agora então todo se espinhou por que eu, honestamente e sem má tenção, antes pelo muito amor que ainda tenho a esta familia e a estes meninos que trouxe ao collo, puz á disposição de um d'elles, que é hoje um rapaz de juizo, o dinheiro de que