Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/249

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precisava para se ir livrando da usura, que o roía até os ossos, e emendar os erros da administração do padre! Só agora é que v. exc.ª se sente ferido na sua fidalguia e sahe da casa, em que vive ha tantos annos, clamando que já não é sua. Isto é collocar-me abaixo d'esses miseraveis, a quem me pejo de apertar a mão. O contracto feito entre mim e o filho de v. exc.ª é um contracto que não envergonha nem a mim nem a elle. Póde apparecer á luz do dia, e tenha a certeza de que não ha de haver muitos, mais de cavalheiros do que elle. Não dei dinheiro sem garantias, nem também o dei com usura. Nenhum de nós aceitou favor do outro. Então qual é a razão dos escrupulos de v. exc.ª?

— Vejo que está mais informado dos negocios de minha casa, do que eu proprio. Póde ser que eu devesse ha mais tempo fazer o que fiz. A culpa é da minha ignorancia. Quando porém tão publica foi a confissão da nossa baixeza, a minha dignidade obrigava-me a proceder como procedi.

— A dignidade... a dignidade... Perdoe-me o fidalgo, mas se quer que lhe falle a verdade, eu já não sei bem o que seja dignidade, quando vejo o que por ahi se faz á conta d'ella. Dignidade acho eu que a tem tido seu filho, trabalhando como um homem de bem, para desempenhar a sua casa, e confessando diante de todos os seus actos, que não o envergonham; dignidade teve elle, quando defendeu uma pobre rapariga das calumnias de uns miseraveis, que tambem se dizem fidalgos, e que tambem fallam muito na sua dignidade.

— Creio que é melhor não discutirmos. Os nossos principios são diversos, não podemos entender-nos.

— Não ha tal. Os nossos principios, aquelles que me levam a fallar, são os mesmos, são os de qualquer homem de bem. E eu prézo-me de o ser e v. exc.ª tambem o é. Havemos de entender-nos por força. N'isto até o homem e Deus se entendem, não é muito que v. exc.ª, por mais fidalgo que seja, se entenda commigo.

— Mas que quer a final? Não terei eu a liberdade de deixar a minha casa quando entender que me con-