Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/251

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deseja á sua casa, esses desprezes e essas afrontas? para este homem, que tem uma filha que lhe chama padrinho? E não quer que eu me sinta? Pois julga que não ha aqui dentro um coração? Ah! fidalgo, fidalgo, creia o que lhe digo, em cada um d'esses jornaleiros que passam o dia vergados a trabalhar nas propriedades de v. exc.ª, ha um coração de carne como o dos nobres; e emquanto elles trabalham, elle não pára de bater.

— Está inventando aggravos para se dar por aggravado. Nunca tive tenção de offendêl-o. N'estes ultimos tempos azedou-se-me um tanto o genio, e confesso que não me é demasiado agradavel a convivencia dos homens. Eis o motivo por que vivo retirado.

— Snr. D. Luiz, v. exc.ª não é franco. Não ha por essa aldeia quem não saiba que os filhos de v. exc.ª, se alguma vez se atrevem a procurar a Herdade em que eu vivo, correm o risco do desagrado do pae. Não sei quem é que em minha casa os póde corromper. V. exc.ª porém acha menos perigosa para elles a companhia dos fidalgos do Cruzeiro do que a minha. O snr. Jorge fez mal em arriscar-se a entrar n'aquella casa excommungada; mais seguro andou o snr. Mauricio frequentando a dos primos, apesar de..., perdoe-me a sua fidalguia, apesar de não serem mais do que uns bebedos, uns devassos e uns calumniadores.

— Está fora de si, Thomé — observou o fidalgo, que córou ao ouvir estas affrontas a uns parentes tão proximos, mas a quem não se sentia com animo de desaggravar. — Terminemos esta desagradavel conferencia. Que quer a final de mim?

— Restituir-lhe as chaves da sua casa, que me não servem para nada — respondeu Thomé, tirando do bolso o molho de chaves, que Bertha recebêra do fidalgo.

D. Luiz com um gesto desviou de si as chaves que o fazendeiro lhe offerecia.

— É inutil insistir. A minha resolução está formada.

— Mas é uma resolução disparatada; perdoe-me dizer-lh'o, fidalgo, uma resolução sem valor algum, sem