Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/252

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significação perante a lei, sem effeito senão o de affrontar-me.

— Eu já lhe disse que nós temos umas leis especiaes por que nos regulamos.

— Então se v. exc.ª entende que deve pôr nas mãos dos seus credores as chaves de sua casa, é preciso saber quem tem mais direito a ellas. Na lista não está só escripto o meu nome. Deite v. exc.ª pregão para saber quem deve ser o depositario d'isso, que eu por mim sou o menos habilitado.

E Thomé da Povoa arrojou sobre a mesa as chaves, com irritação crescente.

D. Luiz fitou-o por momentos com um olhar de cólera, que aquelle movimento desafiára, mas conseguiu dominar-se, e respondeu com firmeza:

— Leve comsigo as chaves, Thomé! A minha dignidade não me consente ficar com ellas. Fiz um protesto, hei de cumpril-o. Se os meus credores são muitos, seja o representante d'elles todos. Em poucos posso depositar mais confiança.

— Muito agradecido pela confiança que mostra.... Olhe, fidalgo, quer que lhe diga o que tudo isto significa? quer que lhe diga o que penso d'este maior rigor commigo? Pois ouça. Cada qual tem os seus defeitos; o meu é o da franqueza. A razão de tudo isto está no grande orgulho de v. exc.ª. É o que eu lhe digo.

— Póde ser; o orgulho é o defeito de certa classe....

— Pois não lh'o invejo, nem lh'o gabo. Orgulho entendo eu que se deve ter de certa maneira; d'essa não, que não é nobre. V. exc.ª préza muito o nome de sua familia, deve então trabalhar honestamente para o conservar illustre. Mas não receie que lhe possa fazer sombra a casa do seu antigo criado, ainda que em cada anno elle levante um sobrado e metta mais um campo dentro dos muros da quinta. O valle que nos separa é muito largo, fidalgo; e ainda quando o sol se esconde, a sombra da minha chaminé não chega nem sequer ao principio dos dominios de v. exc.ª. Deixe-me pois crescer, snr. D. Luiz, e não me leve a mal o trabalhar para ga-