Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/253

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nhar para meus filhos pão, que não lhes falte para o futuro.

D. Luiz, ao ouvir estas palavras, estremeceu, como se ellas o ferissem no vivo; as faces tingiram-se-lhe de um intenso rubor, e foi tal a sua perturbação que, sem tirar os olhos do fazendeiro, não pôde articular uma palavra que lhe respondesse.

Thomé proseguiu mais exaltado:

— Deixe-me crescer e medrar, fidalgo, que as minhas plantações para terem viço, não vão roubar o succo das suas terras. Não é por isso que ellas estão maninhas, não. E se quizer offuscar-me, deixe seu filho Jorge empregar o talento, a honestidade e o amor ao trabalho que deve a Deus, em tornar a sua casa no que ella foi em outros tempos. Então sim, então terá razão o orgulho de v. exc.ª, porque ninguem será mais para louvar e admirar do que o moço que der um tal exemplo, a criança que se fez homem para trabalhar, e o fidalgo que se fez lavrador para salvar a sua casa, e que por isso não deixou de ser fidalgo, antes mais do que nunca mostrou que o era. Este orgulho entende-se; mas ha um de má casta, que se parece muito com a inveja.

A esta ultima palavra D. Luiz não conteve um movimento de violencia.

— Basta. Desde que principia a ser insolente, não devo escutal-o. Talvez tenha feito mal em ouvil-o tanto tempo. Do motivo das minhas acções só tenho a dar contas a Deus. A si, basta que lhe diga que não recebo essas chaves, nem volto para a Casa Mourisca, emquanto não estiverem saldadas as minhas contas comsigo.

— Commigo! E sempre commigo? Pois bem; teima em offender-me?... aceito as chaves, levo-as para casa. Mas faço-lhe aqui, eu tambem, um protesto, fidalgo. Juro que hei de, a seu pezar, fazer-lhe o bem que podér. Se os meus soccorros o humilham e envergonham, ha de ter a paciencia de se humilhar e envergonhar por muito tempo, porque de hoje em diante vou trabalhar como nunca na restauração da sua casa. Ah! cuida que é só