Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/261

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gencia, que nos gestos, na physionomia e nas palavras d'aquelle adolescente se revelavam.

A scena do jantar na Casa Mourisca augmentou a intensidade d'estas nascentes impressões. Nem podia deixar de ser assim.

É natural suppôr que a imagem de Jorge, d'esse rapaz corajoso e leal, que perante uma desdenhosa companhia do fidalgo, se erguêra a reivindicar a boa fama da familia plebeia, perfidamente calumniada por um d'elles, occupasse o pensamento da que mais soffrêra da calumnia, e offuscasse a do outro, leviano e estouvado, que concorrêra para levantar o aleive.

Poderia deixar de insinuar-se em um coração aberto a sentimentos generosos, como era o de Bertha, esse rapaz de vinte annos, diante de quem os velhos se descobriam, cheios de respeito pelas suas nobres qualidades de alma e pela superioridade da sua intelligencia?

Uma outra causa influira porém, além d'estas, no espirito de Bertha e no mesmo sentido que ellas; ainda que á primeira vista se podésse julgar que diversa deveria ter sido a sua acção.

Esta causa fôra a frieza, a quasi hostilidade delicada com que Jorge a tractava. Bertha não se illudia. Via bem claro que Jorge lhe fallava sempre constrangido, e como se tivesse pressa de interromper um dialogo, que o impacientava. Ás vezes havia nas palavras que d'elle obtinha, um leve tom de ironia, que ella não sabia a que attribuisse. Este proceder de Jorge deu que pensar a Bertha. Formando um conceito elevado do são juizo e da seriedade do joven amigo de seu pae, convencia-se de que aquellas maneiras frias com que era tractada por elle, não podiam deixar de ter um fundamento. E este fundamento occulto procurava-o Bertha com ancia em si mesma, estudava profundamente o seu proprio caracter, na esperança de descobrir a solução d'este enigma que a affligia; e ao mesmo tempo estudava em Jorge o effeito dos esforços com que fazia por vencer aquella prevenção, qualquer que fosse.

Succedeu o que era natural que succedesse. Não é