Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/279

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tas recordações, tinha-as ao alcance da mão; a distancia não era grande, as tardes corriam amenas e no campo ninguem estranharia a uma rapariga um passeio d'aquelles.

A ideia ganhou vulto e Bertha resolveu realisal-a.

Tomou a chave que abria uma das pequenas portas da quinta, e uma tarde sahiu e dirigiu-se lentamente à Casa Mourisca. Em pouco tempo chegou á ponte que reunia as duas margens do ribeiro do valle. Ao transpol-a, porém, reteve-a um vago rumor que soava nos ares. Eram as surdas detonações de uma trovoada longinqua.

Bertha olhou em roda um tanto inquieta.

O colorido do céo e o dos campos era bello, mas pouco tranquillisador.

O firmamento estava esplendidamente pintado, não com o azul uniforme dos dias serenos, mas com as variadas tintas que recebia da influencia electrica de uma tempestade imminente. Grandes nuvens isoladas illuminavam-se, ao sol poente, de reflexos doirados. O campo, em que ellas se desenhavam, ostentava todas as gradações do azul, desde o anil carregado até um quasi verde esvaecido que interrompiam leves e longos stractus tingidos de roixo e violeta. Ao nascente, no seio de um denso cumulo de vapores amarellados, desenhava-se vagamente o magestoso iris. O verde das arvores e dos prados recebia d'esta luz uma cambiante mais viva. Principiava a soprar a viração quente e rasteira, que levantava em redemoinhos as folhas cahidas no chão.

Tudo annunciava uma tempestade proxima.

Bertha não ousou ir mais adiante.

A visinhança da noite e da tempestade obrigou-a a retroceder.

N'este momento porém entrava na ponte um cavalleiro, que assim que avistou a filha do Thomé, desmontou com ligeireza e dirigiu-se para ella a pé.

Era Mauricio.

Bem desejaria Bertha evital-o, mas já não o podia