Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/281

Wikisource, a biblioteca livre

— Pois bem; escute-me e julgue depois; condemne ou absolva, conforme a consciencia lh'o dictar. Não lhe vou fazer uma geral confissão da minha vida, apenas dos ultimos tempos d'ella. As acções boas ou más, os actos irreflectidos, a que me impelle este temperamento estranho com que nasci, tenho-os ultimamente executado sob o influxo de uma paixão forte, irresistivel, que nasceu e assoberbou rapidamente todo o meu coração, Bertha, desde que a vi, quando voltou de Lisboa. Com a franqueza propria do meu caracter, com a lealdade que lhe devo, Bertha, confesso-lhe que a amo. Deve têl-o percebido. Eu não sei dissimular. É este amor que me perturba, que me faz ser injusto, desconfiado, louco, que me arrasta a extremos, d'onde não volto sem remorsos.

— Devia pois fazer por destruil-o, vendo a maligna natureza que tem — respondeu Bertha, sorrindo.

— Não zombe, Bertha.

— Não zombo, pois não diz que o arrasta a acções que lhe causam remorsos?

— Mas é por esta incerteza em que estou. Assegure-me porém, Bertha, de que o seu coração é ainda o que em outro tempo conheci...

— Snr. Maurício — tornou-lhe Bertha, d'esta vez sem a menor inflexão de gracejo — seria faltar á amizade que lhe devo, se o deixasse continuar. Quero suppôr que não zomba de mim ao fallar-me d'essa maneira; quero convencer-me de que é sincero, ou de que julga sêl-o, pelo menos, n'essa declaração que me faz, e vou responder-lhe como se assim fosse. Peco-lhe que faça por esquecer isso que diz sentir por mim e que não póde ter futuro.

— Para me dar esse conselho, para ter direito de dar-m'o, é necessario que me faça uma confissão, é necessario que me diga: Eu não posso amal-o.

— Direi: Eu não posso amal-o, snr. Mauricio.

— E será sincera no que diz? Veja bem. Interrogue sómente o coração. Não a amedrontem as difficuldades e as resistencias que possam offerecer-nos. Eu as vencerei, arrostarei eu só com todas.