Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/291

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completo silencio. Não se divisavam vestigios que denunciassem presença de alguem estranho. D. Luiz deu a medo alguns passos no limiar, subiu os primeiros degraus da escada, hesitando e escutando a cada passo que dava e a cada degrau que subia.

Sempre o mesmo silencio.

Pensou então o fidalgo que bem poderia ser que na precipitação da sahida tivesse ficado aberta aquella porta; e animado por esta hypothese adiantou-se mais resoluto.

Havia nas largas escadas uma luz froixa e quasi mysteriosa; esta luz e aquelle silencio eram dos que infundem no animo um sentimento quasi de pavor.

N'esses corredores e escadas vazias e obscuras, elle, o senhor e proprietario do solar, movendo-se, com o receio de ser descoberto! Que situação a sua! Que humilhadora situação para o seu orgulho!

As correntes de ar sibillavam melancolicamente ao enfiarem-se pelas fechaduras das portas e frestas, que deitavam para a escadaria; os passos do fidalgo tinham sob aquellas abobadas uma resonancia estranha.

Eram sem numero os objectos que lhe recordavam os amargos momentos da sua alvoroçada sahida da Casa Mourisca; caixões vazios, sacos, bocêtas, papeis de empacotar, tudo jazia ainda em confusão nos corredores, como, na pressa dos preparativos, frei Januario os deixara. Signaes eram estes que parecia indicarem que desde aquelle dia ainda ninguem entrára na Casa Mourisca.

Mais seguro já na persuasão de que não seria surprendido n'esta clandestina visita, D. Luiz subiu sem o menor receio as escadas que levavam ao Sancta Sanctorum das suas affeições, á torre onde haviam sido os aposentos de Beatriz, aonde ella tinha vivido e expirado. Era esta a peregrinação que emprehendêra aquelle desconfortado velho; para alli era que as suas intensas saudades o chamavam. Tinha já subido mais de meio lanço da escadaria, quando subitamente estremeceu, parando a escutar um mal distincto som que lhe chegára aos ou-